Pêlos e tinta
Traiçoeira, pensou jamais amor.
Contudo, no dia em que olhou aquelas telas
pintadas com tinta de romance,
a Raposa felpuda e gananciosa
ficou ainda mais brio, porém amante.
Viu a assinatura, gravou-a na língua molhada,
e foi capaz de sentir o Pintor por inteiro.
Amou, amaram-se.
A utopia das cores daquele autor
é lucidez nos pêlos da raposinha.
Caxias,
Junior Magrafil (30-08-2010).
O amor segundo a raposa
A raposa esperta e graciosa
aproximou-se de uma videira
de convidativos cachos escuros.
A raposa tentou alcançá-los,
mas o insucesso da operação
a desestimulou e entristeceu.
Diferente de outros ditos,
a minha raposa, triste, não se negou;
tentou, tentou, até cair um cacho.
Diferente dos demais, observou que neste
só havia uma uva madura e boa.
Mas o trabalho foi recompensador:
única uva, único amor.
Caxias,
Junior Magrafil (29-08-2010).
Da saudade
Me conforta a noite em que
as memórias se casam novamente.
Me conforta a dor estéril
de virgens sorrisos, e castos libidos.
Não. Sorrisos maculados de passado.
Sim. Macular-se-ão: nova alvorada?
Sim?
A mácula é limpa de amor,
é suja de tesão;
é devassa de quase sem-dor;
é mais lembrança, mais amor;
mais saudade.
Sussurros sem maldade
que meio pensam curiosamente
em corolários
– não há senão saudade.
Caxias,
Junior Magrafil
O amor
O amor é um guarda-chuvas
em dias de chuva intensa;
é um pôr-do-sol quase nascendo;
música boba em fone repartido.
O amor são mãos dadas,
escondidas do peso de olhares;
são olhos que se batem,
envergonhados; ou não.
O amor é repetição de histórias
quando se pensa que é novidade;
é sussurro de segredos e detalhes
que não importariam – importam.
O amor é uma conversa estranha
que tem graça e bom senso no final;
é um tempo gasto que se ganha bônus
e que se gasta de novo e ganha mais.
O amor é indecisão certa do que faz;
é esquecimento de opiniões terceiras
de quem não entende, porque não mesmo
se entende o bem maior da relação.
O amor é quase um louco suicida,
se entrega, se engana – “opia-se”;
faz as bocas falarem uma só língua,
faz corações trocarem; e o resto.
Caxias,
Junior Magrafil (23-08-2010).
Imputação
Desculpa se fui fútil,
nada útil,
em minhas dores.
Desculpa se fiz rir,
fiz chorar,
com minhas vozes.
Me entenda, luz,
o que eu fiz
não foi verdade.
Me entenda, rei,
hei de dar-me
e ser saudade.
Desculpa se fui algoz,
nada mais,
com suas cores.
Desculpas não mais darei,
pois já sei:
sou mortal, não tenho nomes.
Caxias,
Junior Magrafil (22-08-2010).
Final feliz
Adeus: uma vez só na vida;
chegamos perto,
ficamos longe.
Você lembra o que eu aprendi?
Sim, por isso eu te amei;
então, não mais;
então, jamais dor
porque tudo acabou feliz.
Você lembra de mim?
Acho que não,
mas sei que não precisa;
e foi por isso
que tudo não foi como todos
– diferente.
E foi por isso
que deu tão certo
– e tão errado.
E foi por isso
que, no fim,
não precisei do teu carisma
inexistente.
Amo-me:
aprendi contigo.
Caxias,
Junior Magrafil (17-08-2010).
Sinal
Teu homem se veste do nada
correndo sem força p’ra tudo.
Ele não sabe ao certo
se suicida o desejo ou
se mata a meta que tinha
– não mais a tem.
Ele salva a insônia
e afoga indevidamente a ilusão.
Não mais sabe escrever poesia,
não mais sabe levantar do enterro,
não mais sabe
– só cai.
Dorme de tanto acordar;
acorda de tanto mosquito,
mosquito que dói e não teme.
Teu homem cansou de esperar;
resolveu duvidar da forca,
da lança, até do facão.
Ele ameaçou o divino fim e,
quando, enfim, relutou
não houve sinal senão
morrer de amor.
Caxias,
Junior Magrafil (03-08-2010).
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